Fronteiras Urbanas: A dinâmica dos encontros culturais na educação comunitária
Mónica Mesquita
O Projeto Fronteiras Urbanas apresenta-se como um movimento etnográfico crítico centrado no desenvolvimento de uma política educativa emancipatória por meio da observação participante de conhecimentos presentes em comunidades multiculturais. Este movimento é fruto da continuação de pequenos projetos de intervenção e de investigação que decorreram em duas comunidades da cidade da Costa de Caparica, localizada em Portugal, na margem sul do Rio Tejo – margem oposta à capital Lisboa, tendo como limites geográficos o mar e a Arriba Fóssil.
A Costa de Caparica, cujo povoamento remonta ao século XVIII, é um dos maiores centros multiculturais de Portugal e tem vindo a desenvolver-se centrado em duas comunidades de base: a piscatória e a agrícola. A zona costeira da freguesia de Caparica, designada por Costa, foi desenvolvida por duas companhas de pescadores oriundos de Ílhavo e de Olhão – regiões a Norte e a Sul de Portugal, respetivamente. A área de terras na base da Arriba Fóssil, designada por Terras da Costa, foi desenvolvida pela comunidade agrícola e, atualmente, encontra-se ocupada pela população de imigrantes oriundos dos Países de Língua Portuguesa, pela comunidade cigana e por migrantes portugueses.
Este projeto pretende fazer ouvir as vozes multiculturais, encontradas nessas duas comunidades locais (Comunidade Piscatória e Comunidade das Terras da Costa), por via de uma etnografia crítica. Este processo de busca e compreensão nas dimensões intra e intercultural é essencial para aclarar as processos educativos desenvolvidos nas comunidades locais, indo ao encontro das necessidades locais definidas pelos seus membros, e para o reconhecimento simbólico dessas comunidades pela sociedade como um todo, com a intuito de serem percebidas como parte integrante e atuante na diversidade cultural que representam e na hegemonia urbana em que estão inseridas geograficamente.
Duas comunidades locais que se asseguram pelo comum de serem incomuns à sociedade maior na qual co-habitam, e por serem constituídas na diversidade cultural, vêm manifestar-se neste projeto como investigadores das suas próprias práticas educativas e como construtores ativos dos recursos e instrumentos que estão na base da observação aqui proposta. A intervenção dos membros das comunidades locais em simbiose com as intervenções dialógicas nos próprios campos de ação define uma observação participante.
Este projeto surge em resposta as reflexões que até agora têm sido feitas a nível dos encontros culturais dentro dos espaços reconhecidos como de educação, num processo de valorização do conhecimento centrado na organização e gestão de situações diferenciadas e interativas de aprendizagem, que as novas tecnologias de informação e comunicação não só facilitam como exigem.
Assim sendo, o desenho fundamental deste projeto enquadra-se na perceção das estratégias da ação educativa dentro dessas duas comunidades multiculturais, buscando organizar parâmetros para um currículo de educação intercultural assentados na realidade sociocultural e económica dessas comunidades.
Propomos o Currículo Trivium, desenvolvido por Ubiratan D’Ambrosio, na busca de reforçar a cidadania plena nesta época inegável de encontros e confrontos culturais e de proporcionar instrumentos de sobrevivência numa sociedade onde os valores e a ética são conceitos determinantes para este reforço. Um novo conceito de currículo, baseado em literacia, materacia e tecnoracia: (1) faz salientar os conhecimentos presentes nas comunidades locais, por meio de instrumentos de sobrevivência nos quais as dimensões diversidade e globalização convergem, explicitando e discutindo as contradições nelas existentes, (2) garante um currículo global que mantém a diversidade cultural, e (3) torna, desta forma, reais expectativas de se minimizarem iniquidades e violações da dignidade humana como primeiro passo para a justiça social.
Neste modelo curricular, entende-se currículo de uma forma abrangente como a estratégia de ação educativa, que possibilita o domínio equitativo de conhecimentos necessários para uma sobrevivência ativa e participativa, indo além do ler, escrever e contar, através de uma visão crítica dos instrumentos. Apresenta-se, assim, uma proposta de compreensão do currículo através de uma observação focada nos instrumentos comunicativos (literacia), nos instrumentos analíticos (materacia) e nos instrumentos materiais (tecnoracia).
Neste movimento, um crescimento mútuo de investigadores com menos experiência em investigação nesta área do conhecimento reforça a coerência da dinâmica de encontros culturais aqui proposta. Novos investigadores, cada um em seu novo papel, tecem uma rede de perspetivas, intencões, necessidades, ações e produções que vão fortalecer o carácter interventivo de cada participante (membros das comunidades locais/membros da comunidade científica) na sua respetiva comunidade, o reconhecimento da nossa igualdade legal e o entendimento de processos educacionais ocultos noutras formas de investigação.
FCT. PTDC/CPE-CED/119695/2010